quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Os Livros Didáticos de Matemática e os Temas Transversais



Resumo:

Os livros didáticos são ferramentas muito utilizadas e necessárias em sala de aula para o desenvolvimento dos conteúdos. Portanto material auxiliar ao docente. No caso específico da Matemática é importante que forneça informações sobre a mesma e outros conhecimentos necessários à aprendizagem dos alunos e prática docente. Na sociedade atual o ensino de Matemática deve assumir a tarefa de preparar cidadãos para uma realidade cada vez mais interposta por tecnologias possibilitando à maioria da população o saber elaborado. No Currículo da educação escolar consta  um novo conceito denominado "Temas Transversais", que devem estar presentes nas diferentes áreas curriculares como conteúdo a ser trabalhado em sala de aula, preocupando-se com a formação política-social do educando. Portanto é de suma importância que os livros de Matemática abordem esses temas em seus conteúdos. Assim a referida pesquisa pretende investigar se esses temas estão sendo incorporados aos conteúdos dos livros didáticos de Matemática.
Palavras-chave: Livro didático, Matemática, Temas Transversais.


Os livros didáticos

Os livros didáticos são ferramentas muito utilizadas em sala de aula para o desenvolvimento dos conteúdos nas diversas disciplinas curriculares. Tem por principal função estruturar o trabalho  didático pedagógico e auxiliar o docente em suas atividades no preparo das aulas, para isso o livro deve se organizar em torno da:

 - Apresentação não apenas dos conteúdos curriculares, mas também de um conjunto de atividades para o ensino-aprendizado desses conteúdos;
 - Distribuição desses conteúdos e atividades de ensino de acordo com a progressão de tempo escolar, particularmente de acordo com as séries e unidades de ensino. (RECOMENDAÇÕES PARA UMA POLÍTICA PÚBLICA DE LIVROS DIDÁTICOS, 2002).

Os livros didáticos buscando assumir a função de estruturar o trabalho  didático pedagógico e tornar-se um material auxiliar ao docente, necessita que em seu corpo seja apresentado um desenvolvimento dos conteúdos e não apenas uma síntese do mesmo, não deve ser apenas um material de referencia e sim um caderno de atividades, que apresente, exponha, fixe e avalie o aprendizado. Sendo assim,  o livro didático torna-se um material que condiciona, orienta e organiza a ação docente.

Um bom livro constitui real ajuda para o professor e aluno, exercendo vários papéis. No caso específico da Matemática é necessário que forneça informações sobre a mesma e outros conhecimentos necessários para a aprendizagem dos alunos e prática do professor.

Portanto a avaliação do livro didático de Matemática baseia-se na comparação dos objetivos gerais do ensino desse saber, sendo estes objetivos refletidos em graus variados.Deve-se avaliar pressupostos sobre o ensino da Matemática no atual contexto social, o papel do professor e as características dos alunos, pois, “o ensino da Matemática não se faz num vácuo. É necessário primeiramente, saber para que ensinar e, com base nisso, definir o que ensinar”.(GUIA DO LIVRO DIDÁTICO, p. 197, 2005).

No atual quadro da sociedade, o ensino da Matemática, juntamente com os de outras disciplinas, deve assumir a tarefa de preparar cidadãos para uma sociedade cada vez mais interposta por tecnologias e possibilitar a maioria da população o saber elaborado socialmente acumulado.  Sua função principal é preparar o aluno para atuar em uma  sociedade complexa utilizando os conhecimentos matemáticos de maneira ativa em seu cotidiano para: “[...] fazer estimativas e previsões, ler, interpretar e organizar dados quantitativos incompletos[...]”(GUIA DO LIVRO DIDÁTICO, p. 197, 2005), aprendendo a globalizar processos e situações e organizar o pensamento.

Sendo assim, a inclusão dos Temas Transversais aos conteúdos curriculares apresentados aos livros didáticos de Matemática e outras disciplinas, contribuirá para que com o auxilio dos mesmos seja trabalhado em sala de aula conteúdos ligados aos interesses da população e colaborar com a formação de  indivíduos preocupados com a construção de uma sociedade emancipadora e justa, pois: “Tratam de processos que estão sendo intensamente vividos pela sociedade, pelas comunidades, pelas famílias, pelos alunos e educadores em seu cotidiano.” (PCN - Temas Transversais, p.5).


Os Temas Transversais e a Matemática

Atualmente há constantes mudanças no campo das Ciências, e essas não se referem apenas aos conteúdos das diferentes disciplinas científicas, elas atingem o próprio conceito de Ciência.
A substituição da idéia anterior de que a Ciência era entendida como conjunto de verdades de natureza acumulativas por uma concepção mais dinâmica, segundo a qual as teorias cientificas que vão se sucedendo ao longo da história não passariam de modelos explicativos parciais – e sempre provisórios – de determinados aspectos da realidade, pressupões mudanças profundas que tem enorme ressonância no campo da educação.(MORENO 1998).

Essas mudanças devem seguir o mesmo sentido dessa nova idéia de Ciência, ou seja, o conteúdo escolar além de contemplar as disciplinas clássicas, também deve englobar questões de interesse da sociedade, permitindo assim que os conteúdos não tenham um fim em si mesmo.
As mudanças no campo das Ciências fizeram nascer novas disciplinas e ampliaram-se os campos de estudo, além do surgimento de uma potente tecnologia que transforma a vida cotidiana das pessoas, essas mudanças tecnológicas constituem realidades presentes em nossa vida cotidiana.
 Segundo Nereide Saviani em seu livro “Saber Escolar, Currículo e Didática”(p.122),

                                                   “[...] as posições em relação à matéria do ensino passaram a variar segundo a importância que ela é atribuída pelas diferentes concepções de educação escolar e seu papel no desenvolvimento da sociedade. Assim, nas definições do que se deve integrar o conteúdo do ensino e como este deve ser organizado, tende a predominar, ora o valor intrínseco da própria matéria de ensino, ora a relevância do conhecimento e do seu domínio para cada individuo, ora sua relevância para a solução de problemas da sociedade.”

O ensino precisa acompanhar tamanhas mudanças, para não correr o risco de preparar os indivíduos para uma formação intelectual que não esteja de acordo com a sociedade em que vivem.
No caso especifico da Matemática, pode-se observar tais mudanças, já que hoje mais do que nunca, segundo (OLIVEIRA, 2001):

O conhecimento Matemático elaborado, como todos os demais campos do conhecimento humano, é hoje um valor humano imprescindível para que o individuo possa atuar nas várias modalidades da prática social em que vivem.Em suma, em todas as instâncias sociais ouve-se constantemente a afirmação da necessidade do conhecimento, seja isso referente à Matemática ou aos demais campo do saber.

No Currículo da educação escolar básica surge um novo conceito geral denominado "Temas Transversais", que deve impregnar toda a prática educacional e estar presente nas diferentes áreas curriculares como conteúdo a ser trabalhado em sala de aula. Sugerido pelos PCN devem estar incluídos nas propostas curriculares das diversas disciplinas escolares, preocupando-se com a formação política e social dos educandos.
Dessa forma a inclusão dos Temas Transversais como conteúdo escolar tem como objetivo a construção da democracia e da cidadania a partir de conteúdos vinculados ao cotidiano e aos interesses da maioria da população. Assim os conteúdos das disciplinas obrigatórias do currículo não mais devem ser considerados como fim em si mesmos.
Sendo assim Oliveira (2001) destaca que:

[...] o trabalho educativo deve sempre servir à humanização do homem, isto é, deve ser sempre um trabalho valorado positivamente, um trabalho dirigido por valores, estará em princípio sempre buscando contribuir para que a participação do indivíduo, na sociedade, seja aquela que torne essa sociedade cada vez mais humanitária.

Nesse sentido o ensino da Matemática além de contemplar o conteúdo formal que requer a disciplina também deve preocupar-se com a formação do aluno enquanto cidadão. A inclusão dos temas transversais incorporados ao currículo escolar permite que se trabalhe em sala de aula conteúdos incorporados aos assuntos de interesse da população ao mesmo tempo em que o conhecimento vai se constituindo de forma significativa e a Matemática deixa de ter um fim em si mesma.
A educadora espanhola Montserrat Moreno (1998), afirma que os Temas Transversais destinam-se a superar os efeitos perversos herdados da cultura tradicional, de que atualmente nossa sociedade tomou consciência. Para introduzir no ensino as preocupações mais significativas e urgentes da sociedade atual, não se deve deslocar as matérias curriculares e nem tratar os temas transversais como novos conteúdos.
No Brasil, a partir de 1996, o Ministério de Educação e do Desporto, deu início a uma reestruturação em seu sistema educacional, através da produção de documentos como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), emanados da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº. 9394/96, sendo os Temas Transversais “[...] elaborados com a intenção de ampliar e aprofundar um debate educacional que envolva escolas, pais, governo e sociedade e dê origem a uma transformação positiva no sistema educativo brasileiro”. (PCN - Temas Transversais, p.5).
Os PCN – Temas Transversais, baseando-se na LDB, trazem a cidadania como eixo vertebrador da educação (p.23), onde esta deve ser entendida como a necessidade de o ser humano estar contra valores que o desrespeitem em sua dignidade.
Observando-se o comportamento humano percebe-se o fosso existente entre os princípios previstos na Constituição de 1988 e escolhidos pelos mentores dos PCN: dignidade da pessoa humana, igualdade de direitos, participação na sociedade e co-responsabilidade pela vida social e a prática (ação); daí o motivo da inclusão dos Temas Transversais na reforma do sistema educacional: objetivar uma mudança refletida sobre os valores na práxis.
De acordo com Moraes (2003), os temas transversais devem ser eixos estruturadores em torno dos quais devem ser alocados os conteúdos curriculares.
Nessa perspectiva, os Temas Transversais se constituirão em um conjunto de conteúdos educativos, presentes nas atividades escolares, que não estão ligados a nenhuma disciplina em particular, mas que são comuns a todas, mais centrados na educação para a vida, permitindo o desenvolvimento de indivíduos tanto competentes tecnicamente, quanto comprometidos com as transformações sociais.
A investigação possibilitará perceber se os Temas Transversais estão e como estão sendo incorporados nos livros didáticos de Matemática, bem como possibilitará um retorno aos professores que os utilizam em suas aulas, os autores que trabalham com esses temas e como trabalham.

Procedimento Metodológico:

Existe uma grande diversidade de métodos de investigação que podem ser aplicados à escolha de uma determinada pesquisa.
A concentração do interesse do pesquisador em determinados problemas, a perspectiva em que se coloca para formulá-los, a escolha dos instrumentos de coleta e análise do material não devem ser  fortuitos.
O Pesquisador deverá além de sua posição diante do objeto a estudar, considerar o momento histórico-científico em que se encontra, como também a maneira de perceber as ciências no mundo intelectual de que faz parte.
Durante muito tempo as técnicas quantitativas predominaram nas pesquisas científicas, a busca da verdade, da certeza da Ciência, mostrava-se como primordial, já que as técnicas quantitativas possibilitavam que fossem utilizados questionários facilmente redutíveis a algarismos e porcentagens, como também o emprego da estatística, possibilitava que o raciocínio se operava sobre quantias diretas e indiretamente mensuráveis. A quantidade era tida como detentora de elevado grau de abstração.
Já nas primeiras décadas do século XX, observava-se que as Ciências Exatas e Naturais não estavam mais tão certas e seguras em suas perspectivas e resultados quanto se imaginara no século anterior, percebia-se que algo ainda não respondia as inquietações dos pesquisadores.
As descobertas consideradas científicas sofriam influências das qualidades, limitações e da coletividade em que o investigador pertencia, o conteúdo de seu saber estava condicionado pela sua inserção na sociedade, sendo assim as técnicas quantitativas não fugiam as injunções de tempo e espaço, reunindo-se às qualitativas.
A qualidade estava ligada a toda a Ciência, a todo o conhecimento, vinha sempre em primeiro lugar, era a qualidade que distinguia uma coisa das demais, que fazia as Ciências terem suas características próprias. “A qualidade composta pelos aspectos sensíveis de uma coisa ou de um fenômeno constitui assim o que é fundamental em qualquer estudo ou pesquisa, pois é o ponto de partida para qualquer deles”.(QUEIROZ, 1992)[1].

Embora tamanha importância das técnicas qualitativas, as quantitativas também exercem grande papel de estimada importância em determinadas pesquisas, mas não é possível quantificar sem que antes tenha sido feita toda uma análise qualitativa, sendo assim as técnicas quantitativas estão associadas às qualitativas, pois: como já afirmava Queiroz “a simples aplicação da quantificação não permite passar da composição de coletividades a partir de unidades, nem da descrição das mesmas, para a explicação de interpretação sem antes utilizar o crivo das comparações”.
Embora o meio da quantificação possa parecer o melhor caminho para se chegar ao conhecimento dos dados obtidos, em pesquisas de educação, ciências naturais, sociais e em ciências exatas, estas técnicas apenas narram o que se encontrou, não desvendando os motivos ou razões. Portanto o vínculo entre as duas técnicas permite que seja feita a movimentação qualitativo/quantitativo/qualitativo, no qual primeiro procede-se a separação das categorias, conceitos e a direção das comparações, segundo mensura-se as quantidades e terceiro volta-se novamente ao qualitativo para analisar o significado das quantidades.
Para a realização desta pesquisa optou-se por utilizar técnicas qualitativas e quantitativas buscando a movimentação qualitativo/quantitativo/qualitativo. Entendendo que as qualidades são referências de analogias, oposição, “funcionamento” de um objeto a outro a função de buscar qualidades é a de permitir um rearranjo das partes que apresente uma “nova” explicação para os fenômenos. Já as quantidades no que diz respeito aos números (pluralidade de unidades), à intensidade (mais ou menos forte) exercem uma função mais descritiva do objeto a ser pesquisado.
Dessa forma pretende-se desenvolver uma investigação a partir de um referencial teórico que está sendo constituído.
Constituído o referencial teórico pretende-se investigar como os livros didáticos de Matemática estão incorporando os temas transversais aos conteúdos, como também de que forma esses temas aliados aos conteúdos estão sendo trabalhados em sala de aula, através de:
-     Levantamento Bibliográfico dos livros mais utilizados em salas de aula de Matemática no ensino fundamental e médio, bem como aqueles mais utilizados pelos professores para o preparo de suas aulas;
-    Análise da proposta pedagógica e planos de ensino;
-    Análise do Currículo de Matemática para a educação básica.

A análise dados possibilitará que se inicie um processo de resposta para a questão que pretendo investigar de forma mais detalhada.

Referencia Bibliográfica básica:

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Terceiro e Quarto ciclos – Apresentação dos Temas Transversais. Brasília: MEC/SEF, 1998.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Infantil e Fundamental. Guia de livros Didáticos 2005: 5ª a 8ª séries – Matemática. Brasília: Vol 3 MEC/SEIF, 2004.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Recomendações para uma política pública de livros didáticos. 2ª impresão. Brasília. MEC/SEF, 2002.

MORAES, M.S.S. et al. Temas Político-Sociais/Transversais na Educação Brasileira: O discurso visa à Transformação Social? Ciência Geográfica, Bauru, SP, v.9, n.2, p.199-204, maio/agosto, 2003.

MORENO, M. Temas Transversais: um ensino voltado para o futuro. In BUSQUETS, M. D. et al. Temas Transversais em Educação: bases para uma formação integral. 2. ed. São Paulo; Ática, 1999, p. 19-59. (Série Fundamentos).

OLIVEIRA, B. Valores e o Ensino de Matemática. In: I JORNADA DE ÉTICA, CULTURA E EDUCAÇÃO, 2001, Presidente Prudente, Anais...UNESP, Presidente Prudente, 2001.p.01- 21.

SAVIANI, N. A organização do currículo segundo a estrutura das matérias de ensino. In  SAVIANI, N. Saber Escolar, Currículo e Didática. Campinas: Autores Associados, 2003. p.115-144.






sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Parâmetros Curriculares Nacionais: A Falácia de seus Temas Transversais

     Os fundamentos básicos da educação escolar devem estar relacionados à constituição de um Estado democrático definido como “uma forma de sociabilidade que penetra em todos os espaços sociais”(Brasil 1997 a, p. 19), onde a noção de cidadania amplie o conceito de cidadania para o de cidadania ativa.

  O compromisso com a formação do cidadão ativo faz com que a escolarização assuma alguns pontos básicos como:  dignidade da pessoa humana, igualdade de direitos, participação e co-responsabilidade na vida social.  A escola precisa, segundo os PCN, preocupar-se em tratar tanto valores quanto conhecimentos que “permitam desenvolver as capacidades necessárias para a participação social efetiva”.  Mas indagamos sobre velhas questões:  são as disciplinas escolares clássicas incapazes de desenvolver tais capacidades necessárias para a participação social efetiva?

  Na literatura pedagógica, foi sempre uma constante a preocupação de trazer a realidade para dentro da escola.  Verifica-se que em qualquer escola de ensino fundamental ouvimos os alunos questionando a utilidade dos conhecimentos que aprendem na escola (utilização do aprendizado).  Os PCN apontam a importância das disciplinas para que os alunos dominem o saber socialmente acumulado pela sociedade. 

  Se o saber socialmente acumulado não da conta de entender a realidade e seus problemas mais urgentes, por que ele é tão importante e central na escola? Por que deveria ser mantido nessa posição de centralidade? Os PCN não nos respondem, apenas nos apresentam mais um conjunto de temas que deveria ser tratado pela escola, “ocupando o mesmo lugar de importância” das disciplinas clássicas, mas sem se configurar em disciplina.  Os PCN propõem que a integração se faça por temas transversais, por exemplo:  ética, meio ambiente, saúde, pluralidade cultural e orientação sexual, que perpassariam o conjunto das disciplinas, e que determinados temas têm mais afinidades com certas disciplinas. 

  Como fazer para que temas transversais e disciplinas ocupem o “mesmo lugar de importância” no currículo se a lógica que preside a  estruturação curricular continuará sendo a estabelecida pelas diferentes disciplinas?  Que sentido fazem as disciplinas se os temas candentes da vida em sociedade são tratados como temas transversais?  O núcleo central da argumentação do MEC fundamenta-se na incapacidade da educação escolar de lidar com a formação do cidadão ativo.  A partir daí vamos problematizar algumas questões como:  a ideia do currículo disciplinar, sua suposta incapacidade de dar conta da realidade pluridimensional, a criação de mecanismos integradores disciplinares ou a superação desse tipo de estruturação curricular.

AS DISCIPLINAS NÃO DÃO CONTA DA REALIDADE

  A globalização econômica, influenciada pelo capitalismo, torna fundamental que o conhecimento também se globalize e passe a  integrar diferentes campos, sob o risco de se tornar inútil. O processo de divisão do conhecimento é um processo no qual diferentes âmbitos de saber vão-se destacando e configurando em especialidades, e algumas dessas especialidades vão constituir disciplinas científicas.  A disciplinarização do conhecimento corresponde a um processo de seleção de dados considerados significativos e de rejeição de outros, agrupando-se de forma coerente um conjunto de objetos de estudo sob a rubrica de uma disciplina.  Trata-se de um processo histórico que se realiza nos limites de determinados paradigmas.

  Disciplinas científicas não representam apenas campos do saber definidos por pressupostos epistemológicos.  São espaços de poder instituídos, nos quais diferentes atores sociais buscam construir sua hegemonia.  A territorialização do conhecimento é, portanto, uma forma de poder, na qual diferentes especialistas delimitam rituais de iniciação.  Esses rituais envolvem o domínio não apenas do conhecimento, mas uma linguagem que diferencia o especialista dos não-iniciados, essa linguagem que atua como instrumento de diferenciação.  Essas disciplinas científicas tradicionais tornam-se incapazes de atuar isoladamente, levando à criação de novas especialidades híbridas, menos restritas.

  Santos (1989) estabelece que, mais do que problematizar a validade do conhecimento, a ciência hoje precisa questionar o sentido do conhecimento no mundo contemporâneo.  A concepção de ciência defendida por Santos repousa sobre a idéia de que a separação entre verdade epistemológica e verdade sociológica é insustentável.  Na medida em que a pós-modernidade assuma um conceito pragmático de ciência, cada disciplina científica passa a buscar compreender e transformar o mundo, dissolver as fronteiras entre o saber científico e o senso comum.

AS DISCIPLINAS ENTRAM NO CURRÍCULO

  Nem todos os campos de saber em que se subdivide o conhecimento científico têm lugar nos currículos escolares, mesmo nos currículos de cursos profissionais.  Quais os critérios para que existam disciplinas ligadas ao conhecimento matemático, às ciências naturais, ao estudo da língua, à geografia e à história?  Por que o privilégio dessas áreas do conhecimento em detrimento das ciências sociais, da filosofia, geologia, por exemplo?  Os critérios para a seleção dos campos do saber representados no currículo escolar não são científicos.  A criação de novos espaços curriculares para determinadas disciplinas mostra o quanto se modificam os nossos currículos ao longo dos anos.  Quais os critérios dessas mudanças?

  De acordo com Godson, analisando o caráter histórico da seleção de disciplinas que o compõem, o currículo é entendido como construção, mais ou menos coletiva, de um grupo de atores sociais que nele joga as suas crenças, convicções e seu trabalho.  Argumenta ainda que a gênese e a permanência de uma disciplina no currículo são um processo de seleção e de organização do conhecimento escolar para o qual convergem fatores lógicos, epistemológicos, intelectuais, rituais, interesses de hegemonia e de controle, conflitos culturais e questões pessoais.

  Goodson observou que uma disciplina escolar, ao ser criada,  busca resolver um problema imediato relacionado com mundo cotidiano dos alunos.  No entanto, para conseguir manter-se no currículo, precisa legitimar-se como área de saber científico, transformando-se em uma disciplina formal e distante da vida prática.  Esse fato aponta para a relação de utilidade prática do conhecimento escolar, com sua capacidade de resolver problemas do dia-a-dia dos alunos, e a organização disciplinar do currículo.  A maioria das disciplinas escolares estabelece-se no currículo não por constituir áreas científicas importantes na sociedade, mas por se mostrar capaz de lidar com os problemas cotidianos da vida em sociedade.  Ao mesmo tempo em que a  entrada de uma disciplina no currículo associa-se à utilidade prática  imediata, a sua manutenção depende da formalização do campo de estudos.

  As conclusões de Goodson mostram que tanto a criação de disciplinas escolares quanto sua manutenção no currículo apontam para tradições de valorização de determinados campos do conhecimento escolar, relacionados à origem social e ao destino ocupacional da clientela:  as classes média e alta são preparadas academicamente para a vida profissional (ocupação especializada), enquanto a baixa recebe um ensino ocupacional, mais utilitário, mais relacionado a ocupações não profissionais, nas quais trabalha a maioria das pessoas.

  A idéia de utilidade do conhecimento, cujo critério é um dos mais potentes na criação das disciplinas escolares, embora proclamada como fundamental nos discursos sobre a escolarização, tende a não se transformar em realidade, porque o conhecimento formal dissociado da prática constitui um poderoso elemento de diferenciação social.

FUGINDO DA DISCIPLINA:  TENTATIVAS FRUSTRADAS

As críticas à estruturação disciplinar dos currículos centram-se em aspectos ligados ao interesse dos alunos, assim como nos limites do próprio conceito de conhecimento.  A divisão disciplinar do conhecimento escolar é a responsável pela pouca relevância que parece Ter o que é ensinado nas escolas, e dessa forma, o conhecimento escolar torna-se incapaz de ajustar-se às questões práticas e vitais para a sociedade de hoje. 

 A disciplinarização curricular define uma organização inflexível que dificulta a realização de outras atividades que não as aulas tradicionais.  Aulas sucessivas, com diferentes conteúdos teóricos e num curto espaço de tempo (de geografia para matemática, passando pela língua pátria, etc).  As experiências prévias dos alunos são desvalorizadas em favor de uma lógica formalmente estabelecida por e para cada campo do saber.

  Os problemas da realidade ultrapassam os limites de uma especialidade.  Dessa visão, decorrem modelos de articulação restritiva das disciplinas escolares, definidos por Piaget (1979) como multidisciplinaridade.  Um mesmo tema é tratado por diferentes disciplinas em um planejamento integrado.  Respeita-se a lógica disciplinar dos diferentes campos do saber, apenas selecionando-se um tema de interesse social que possa ser tratado por um conjunto de disciplinas como tema fundamental.  Há uma tendência à valorização de determinados campos do saber, que são, freqüentemente, aqueles de maior prestígio social, e dessa forma, a integração é prejudicada pelo domínio de uma ou duas disciplinas.  

Os processos de integração se realizam não por um tema externo, mas pelas próprias interseções entre os diferentes campos do saber.  Elas devem partilhar espaços  comuns que precisam ser tratados em conjunto.  Dessas integrações acabam surgindo novas disciplinas acadêmicas na área de interseção entre duas especialidades, novas especialidades interáreas. A integração é feita pelas próprias disciplinas originais, criando uma nova disciplina que mescla teorias e métodos originários das disciplinas-mãe.  Essa integração foi denominada por Piaget (1979) de interdisciplinaridade, e define um processo em que se efetiva uma verdadeira intercomunicação disciplinar.

QUE SÃO OS TEMAS TRANSVERSAIS?

  Os que são propostos pelo MEC apresentam-se como mais uma tentativa de articulação entre as diferentes disciplinas que compõem o currículo, tendo por justificativa a incapacidade dessas mesmas disciplinas de dar conta da realidade social.  A forma de articulação não está bem definida, o que nos leva a imaginar que dificilmente se efetivará no currículo vivido das diferentes escolas do país.

  A base de estruturação do guia curricular do MEC é a disciplina, não a disciplina científica, mas a disciplina escolar.  Como são tratadas as disciplinas tradicionais?  Trata-se de disciplinas isoladas com especificidades próprias que não são articuladas no documento, a não ser naquilo em que naturalmente se articulam.

   Os PCN estão propondo a manutenção da lógica das disciplinas e a introdução de temas transversais de relevância social.  A despeito dessa relevância, os temas transversais serão introduzidos sempre que a lógica disciplinar permitir.  Para que os temas transversais funcionassem como eixo integrador das diferentes áreas do currículo e deste com a realidade social, seria necessária uma articulação entre as áreas e os temas transversais, ou seja, a seleção e a organização do conhecimento de cada área deveria Ter por fundamento os temas transversais.  No entanto, os documentos das áreas  buscam os critérios de seleção e organização de seus conteúdos nas próprias áreas, em uma suposta lógica interna das disciplinas, e os temas devem ser posteriormente encaixados.

   Os PCN não embutem, em sua lógica, a centralidade que afirmam Ter os temas transversais.  Se os temas transversais expressam as temáticas relevantes para a formação do aluno, por que não são eles os princípios estruturadores do currículo?  Por que não fazer deles o núcleo central da estruturação curricular e inserir “transversalmente” as diferentes áreas do conhecimento?  O compromisso da ciência recortada em cada disciplina deve ser com a prática social concreta que estabelece o sentido da atividade científica.  É o compromisso com a realidade social.

  Os temas transversais como: o meio ambiente, saúde, orientação sexual, etc., embora não correspondam a disciplinas formalmente estabelecidas pela comunidade científica, poderiam constituir disciplinas escolares nas quais se garantiria o enfoque científico multidisciplinar.  Essa constatação nos obriga a buscar entender por que os critérios de relevância social do conhecimento estão ausentes da estruturação disciplinar dos PCN. Percebemos, ao final desse trabalho, que os temas transversais, apresentados como fundamentais para a atuação crítica do aluno na sociedade, são, na realidade, postos em um patamar de importância inferior ao das disciplinas na organização do guia curricular, mantendo as disciplinas escolares tradicionais como centro do   currículo.


TEXTO:  Parâmetros Curriculares Nacionais: a falácia de seus temas transversais

Por:  Macedo, Elizabeth F. In: Currículo: políticas e práticas – Moreira, Antonio F. B. p. 43 a 58